união estável
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União Estável – Entenda a importância da regularização do estado civil

Quando o namoro se transforma numa relação mais séria, os casais naturalmente desejam perpetuar o bem-viver, o respeito e a harmonia interpessoal conquistados a certa altura do relacionamento. Neste momento, as uniões se sacramentam de forma estável, seja através da troca de alianças, ou do simples morar junto.

A união estável acaba sendo encontrada em milhares de lares brasileiros que são formados de casais que apresentam a opção de afastar o enlace tradicional chancelado pelas formalidades estatais.

Ao estudar o instituto, concluímos que a união estável surge na vida das pessoas, independente de formalidade ou aviso, e de repente, como um véu, passa a cobrir levemente o casal, transformando a relação de namoro à entidade familiar; devidamente protegida pelos ditames legais (§ 3º do Art. 226 da Constituição Federal).

De namorados passam a ser companheiros com a agregação instantânea da regularização dos direitos e deveres, como lealdade, respeito, assistência, guarda e sustento e educação dos filhos (artigo 1724 do Código Civil).

Como embasamento legal do instituto, encontramos os artigos 1723 a 1727 do Código Civil que norteiam e “tentam” timidamente englobar todas as questões pertinentes a matéria.

No entanto, com a consagração da união estável na vida do casal, e os inúmeros novos adeptos diários ao instituto, inevitavelmente surgem questões práticas que vão além da regulamentação legislativa atual, frente à leitura dos escassos artigos de lei citados acima. Uma das questões de grande relevância é a ausência do estado civil na união estável.

A restrição legal confirma o desprestígio do legislador em relação à união estável, que devolve à sociedade insegurança e vulnerabilidade às relações pessoais e patrimoniais de cada um dos seus partidários além da natural propagação de litígio.

O presente artigo pretende destrinchar os motivos pelo quais apoiamos a necessidade de regularização do estado civil de conviventes, sob o aspecto pessoal e patrimonial.

ESTADO FAMILIAR PRÓPRIO, O DIREITO PESSOAL DE CADA UM

Segundo o parágrafo 3º do artigo 226 da Constituição Federal de 1988, a união estável é reconhecida entre o homem e a mulher como entidade familiar.

O Código Civil, também dispõe no art. 1.723 dispõe: “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.”

Assim, ninguém nega, a união estável e o casamento são institutos muito parecidos e a sua equiparação acaba ocorrendo naturalmente, tanto por parte da sociedade, como pelo legislador e judiciário que aproveitam os artigos de lei aplicados ao casamento para preencher lacunas flagrantemente existentes.

No que tange ao estado civil, podemos evidenciar o desprestígio do legislador, isto porque, enquanto que os casados, solteiros, viúvos, separados e divorciados têm o estado civil muito bem definido, isto não ocorre aos que vivem em união estável.

No campo pessoal, a ausência de estado civil é implicitamente ligada ao status que cada um tem direito, e que deve se afinar com a realidade a fim de não causar constrangimentos ou situações delicadas no dia a dia.

Para se ter uma idéia, em situações que exigem o rigorismo escrito, a exemplo de preenchimento de formulários em geral, os conviventes normalmente utilizam o estado civil de “solteiros”, afinal vivem apenas uma situação de fato, inábil a alterar o estado civil.

Já em meios sociais, como conversas em “roda de amigos” ou ambiente corporativo, dizem ser “casados”, pois é assim que se sentem e se apresentam perante a sociedade.

Mas não é só. O mais interessante ocorre quando os conviventes resolvem fazer uma escritura de união estável. Neste momento instaura-se para muitos a nítida impressão que já são casados. Alguns deles até mesmo passam a se identificar até formalmente como “casados”.

Enfim, os conviventes pedem emprestado um status, que não corresponde à vida real. Afinal, não são solteiros, pois o comprometimento afetivo com outrem está infiltrado em suas vidas, além disto, de fato, vivem sob o manto da entidade familiar sacramentada pela Carta Constitucional. Mas por outro lado, também não são casados, pois não se dirigiram ao Registro Civil, acompanhados de testemunhas, para participarem de ato solene (artigo 1534 e seguintes do Código Civil), nem mesmo possui certidão de casamento, único documento apto a alterar o estado civil.

Isto reflete as inúmeras situações inconciliáveis que os conviventes enfrentam diariamente, ao praticarem atos que vistos por quem está de longe, parece tão sem importância… Ledo engano, praticar reiteradamente atos como os citados, por mais simples que pareçam, não correspondem à realidade, e, portanto trata-se uma afronta aos direitos da personalidade e à dignidade da pessoa humana.

Além disto, a alteração do estado civil, assim como ocorre com o casamento, deixa uma identificação pessoal irreversível, indelével, pois a relação afetiva passa a fazer parte integrante da história da vida das duas pessoas nela envolvida.

Ora, no que tange a união estável, a própria Constituição Federal a classificou como entidade familiar (artigo 226, §3º). Desta forma, trata-se de relacionamento afetivo sério, e garantidor de direitos e deveres, merecedor de prestígio, afetividade e estabilidade suficiente para firmar de forma recíproca a vida daqueles que optaram pelo instituto. Partindo do mesmo raciocínio já exposto no presente artigo quanto ao fato do casamento precisar emprestar as regras para a união estável, certamente a individualização do estado civil, será como uma alavanca para a construção de maior independência do instituto.

Não haverá melhor ponto de partida do que a regularização do estado civil, para que a união estável seja identificada como um instituto regras próprias.

Pois bem, superado o assunto que versa sobre a importância da regulamentação do estado civil para os companheiros sobre o aspecto pessoal, pois como está afronta o princípio da dignidade da pessoa humana, a seguir partiremos para um assunto que necessita de urgente iniciativa do legislador. Trata-se das questões patrimoniais que envolvem os companheiros. Ressalta-se, são inúmeros os conflitos instaurados que discutem o patrimônio de pessoas que não tem seu estado civil compatível com a realidade fática da união estável, veremos então a seguir, a relevância da regularização.

QUESTÕES PATRIMONIAIS

A aquisição de patrimônio ocorre naturalmente na vida das pessoas, e esta incidência aumenta quando existe uma relação estável a dois, apta a oferecer subsídios e incentivos mútuos necessários a conquista de bens.

Porém, nestas situações, a ausência de estado civil na união estável acaba sendo é uma fonte geradora de transtornos.

Um dos grandes propagadores de litígio é o livre trânsito nos negócios jurídicos, e em especial nos negócios imobiliários, conforme Rodrigo da Cunha Pereira ensina:

“A relevância do estado – de um modo geral e, principalmente, do estado familiar – para o direito é atribuir segurança às relações jurídicas, tendo em vista que ele é definidor e determinante de uma situação patrimonial. Afinal, se alguém se qualifica como solteiro está implícita nesta concepção a ampla liberdade no trânsito dos negócios jurídicos, especialmente o imobiliário, desde que a pessoa seja maior e capaz. No entanto, se alguém se qualifica como casado, entende-se que sua liberdade sofre restrições, sendo necessária a outorga marital ou uxória para alienação dos bens imóveis – exceto nos regimes de separação absoluta e na participação final dos aquestos, inscrevendo-se, para este último, cláusula expressa neste sentido no pacto antenupcial, desde que se trate de bens particulares. (g.n).

O que se busca, neste diapasão, é dar segurança – senão absoluta, pelo menos a maior segurança possível – de forma que seja preservada a boa-fé dos sujeitos de uma relação jurídica, e se reduza a possibilidade de incidência de vícios de consentimento, por conseguinte, da anulabilidade dos atos jurídicos.” 1

“O estado civil reflete a posição da pessoa, com a gama de relações jurídicas da qual faz parte, perante a sociedade. Se a finalidade precípua do estado é esta, não há razões para negar a atribuição de um estado familiar para a união estável. Não há dúvidas que seria aguçar, ainda mais, o paradoxo já existente quanto à positivação da união estável, mas também refletiria a situação jurídica vivida pelos sujeitos da relação.”  2

Neste sentido, aplaudimos o Projeto de Lei 2285/07 – Estatuto das Famílias que apresenta no seu artigo 63, parágrafo único, a regulamentação do estado civil dos companheiros.

In verbis:

“Art. 63. …”

Parágrafo único:”A união estável constitui estado civil de convivente, independentemente de registro, e deve ser declarado em todos os atos da vida civil.”

Analisando as questões práticas, a inclusão do estado civil de conviventes traria benefícios sociais de cunho preventivo, pois evitaria uma série de problemas os quais podemos pontuar a seguir: (i) favorecimento à fraude na aquisição e alienação de bens, sem o qualquer conhecimento nem por parte do companheiro, nem de terceiros, (ii) oferecimento do bem em garantia, e possível penhora sem o conhecimento do companheiro, (iii) casos de sucessão de bem em que estava em nome apenas do falecido, e abertura de inventário pelos filhos sem a inclusão do companheiro e posterior venda do bem. 3

Desta feita, foram destacados os dois aspectos de ordem pessoal e patrimonial que sustentam a favorabilidade da regularização do estado civil de conviventes.

A grande valia dos conflitos instaurados no judiciário, das discussões acadêmicas, dos projetos de lei e da jurisprudência, são sinais de alerta que devem ser aproveitados para a concretização de mudanças.

Em que pese o reconhecimento da união estável como entidade familiar, tal fato por si só não basta para a identificação pessoal dos conviventes, nem mesmo para evitar os conflitos decorrentes das questões patrimoniais, que derivam da ausência da regularização do estado civil. Não adianta dizer que o estado civil de conviventes já é implícito, pois não está estampado, expresso, e portanto não existe para os meios sociais nem legais.

A sugestão que paira aqui, não pende apenas para o reconhecimento legal do estado civil, mas para que haja a disseminação da informação, em todos os registros possíveis, a exemplo do registro civil das pessoas naturais e de imóveis. Só assim, os companheiros estariam protegidos e a união estável bem determinada.

Está certo pensar, cabe ao legislador construir instrumentos de valorização do instituto da união estável, bem como corroborar para a prevenção de conflitos. Mas a todos nós, cabe impulsionar para que isto se concretize.

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REFERÊNCIAS LEGISLATIVAS

Constituição Federal/1988

Lei 10.406/2002 – Código Civil

Lei 2285/2007 – Estatuto das Famílias.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1PEREIRA. Rodrigo da Cunha; TEIXEIRA. Ana  C.B. A criação de um novo estado civil no direito brasileiro para a união estável. In Questões controvertidas no Direito de Família e Sucessões. Método. São Paulo: Método, p. 263

2 Idem, p.268

3 BRITO, Rodrigo Toscano. Disponível em :htpp://www.arpensp.org.br/websiteFiles/imagensPaginas/File/convivente-rodrigo_toscano_de_brito.pdf. Acesso em: 18 dez.2009

Fonte: IOB – Revista Brasileira de Direito de Família

Veja também:

https://www.youtube.com/watch?v=kh8WN1wPfF8

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