Divórcio em cartório durante a gravidez: é permitido?
A ideia de um divórcio rápido, feito em cartório, parece ideal para quem quer encerrar um ciclo sem complicações. Afinal, ninguém quer transformar o fim de um relacionamento em mais um problema para resolver. Mas e quando há uma gravidez em andamento? Será que o caminho continua sendo o mesmo?
Essa é uma dúvida frequente entre casais que vivem um momento delicado e desejam resolver tudo de forma prática e amigável. A cena é comum: ambos estão de acordo, a decisão está tomada, e o desejo é apenas seguir em frente com tranquilidade. Ainda assim, há um ponto que muda completamente a forma de conduzir o processo — a presença de uma gestação.
Quando existe um bebê a caminho, entram em jogo questões que vão além do casal. E é justamente por isso que a legislação estabelece regras específicas para esse tipo de situação. O que muita gente não sabe é que a gravidez muda o caminho legal do divórcio.
Quando o divórcio em cartório é possível
Antes de entender por que a gravidez muda tudo, vale lembrar em quais casos o divórcio pode ser feito em cartório.
O chamado divórcio extrajudicial foi criado justamente para facilitar a vida de quem quer encerrar o casamento de forma simples, rápida e sem disputas. Ele é formalizado por meio de uma escritura pública, com a presença de um advogado e assinatura das partes, tudo registrado em cartório — sem a necessidade de ir ao fórum.
Mas para que isso aconteça, é preciso que dois requisitos básicos estejam presentes:
- O casal deve estar em consenso sobre todos os termos da separação.
- Não pode haver filhos menores, incapazes ou gravidez em andamento.
Se qualquer uma dessas condições estiver presente, o processo precisa obrigatoriamente passar pela Justiça.
Por que a gravidez muda o cenário
A gravidez cria uma nova realidade jurídica. O bebê é considerado sujeito de direitos, mesmo que ainda não tenha nascido. Isso significa que o Estado tem o dever de proteger essa vida e garantir que seus interesses sejam respeitados.
Por esse motivo, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) alterou a Resolução nº 35/2007, determinando que não é possível realizar a separação ou o divórcio extrajudicial se a mulher estiver grávida.
Durante a gestação, entram em jogo questões que precisam ser avaliadas por um juiz, como:
- o direito à pensão alimentícia durante a gravidez (também chamada de alimentos gravídicos);
- o reconhecimento da paternidade;
- a assistência à gestante e os cuidados necessários para o acompanhamento médico adequado;
- e, futuramente, questões sobre guarda e convivência.
Por isso, o cartório não tem competência para formalizar esse tipo de divórcio. O processo precisa obrigatoriamente acontecer no Judiciário, onde há análise técnica e proteção legal ao bebê.
E se o casal estiver em consenso?
Muitos casais acreditam que, se não há conflito, não há necessidade de ir ao fórum — mas a verdade é que o consenso não elimina a exigência judicial.
O que muda é o tipo de processo. Em vez de um divórcio litigioso, em que existem divergências, o casal pode optar pelo divórcio consensual judicial. Nesse modelo, os advogados preparam o acordo e o apresentam ao juiz, mostrando que todas as decisões foram tomadas de forma conjunta e equilibrada.
Assim, mesmo que o divórcio não possa ser feito em cartório, ele ainda pode acontecer de maneira tranquila e respeitosa.
A importância do advogado de família
A presença de um advogado é indispensável em qualquer tipo de divórcio, inclusive no consensual. No caso da gravidez, esse papel se torna ainda mais relevante, já que o profissional vai orientar o casal sobre os direitos da gestante e do bebê, além de preparar toda a documentação necessária para a ação judicial.
Desse modo, é necessário contar com o auxílio de um advogado de família, profissional especializado nesse tipo de situação. Ele conhece as particularidades do direito de família, sabe como conduzir o processo com sensibilidade e pode evitar erros que atrasariam o desfecho.
Em casos de consenso, um único advogado pode representar os dois cônjuges, desde que não exista conflito de interesses. Isso torna o processo mais leve, rápido e acessível.
Direitos da gestante durante o processo
Estar grávida não retira nenhum direito — pelo contrário, a gestante passa a ter direitos adicionais garantidos por lei, incluindo:
Alimentos gravídicos e pensão alimentícia
Durante a gravidez, o pai da criança tem o dever de contribuir financeiramente para as despesas da gestante, colaborando com os custos necessários a uma gestação saudável. Esses valores são conhecidos como alimentos gravídicos e devem cobrir gastos com consultas médicas, exames, medicamentos, transporte, alimentação e tudo o que for indispensável para o bem-estar da mãe e do bebê.
Já em relação à pensão alimentícia para a mulher, a regra geral no sistema jurídico brasileiro é que ela não seja fixada de forma automática após o divórcio. No entanto, o juiz pode determinar o pagamento por um prazo determinado, dependendo da dependência financeira demonstrada durante o casamento.

Isso significa que, se a mulher tiver renda própria e condições de se manter, provavelmente a pensão não será concedida.
Por outro lado, há exceções: a pensão pode ser fixada por tempo indeterminado quando a ex-esposa não tem condições de retornar ao mercado de trabalho, seja por idade avançada, doenças ou limitações que impeçam sua reinserção profissional.
Divisão de bens conforme o regime do casamento
A forma como o patrimônio será dividido em um divórcio depende diretamente do regime de bens adotado pelo casal no momento do casamento. Esse regime define o que pertence a cada cônjuge e o que será partilhado em caso de separação.
Quando o casal não estabelece um contrato pré-nupcial, o regime aplicado automaticamente é o da comunhão parcial de bens, conforme determina o artigo 1.640 do Código Civil.
A seguir, veja como funciona cada tipo de regime e quais são suas principais implicações no divórcio.
Comunhão parcial de bens (regime padrão no Brasil)
Nele, tudo o que foi adquirido durante o casamento pertence aos dois — e, portanto, deve ser dividido igualmente em caso de separação.
Isso inclui imóveis, automóveis, aplicações financeiras, dinheiro em poupança e até dívidas contraídas durante a união, como financiamentos, empréstimos e faturas de cartão de crédito.
Por outro lado, não entram na partilha:
- bens que cada um já possuía antes do casamento;
- valores ou bens recebidos por herança ou doação exclusiva;
- e qualquer conquista ou investimento feito antes da celebração do casamento civil.
Em resumo, o que foi construído durante a vida em comum pertence aos dois, independentemente de quem pagou ou de quem está no nome do bem.
Comunhão universal de bens
Nesse regime, há uma comunhão total de patrimônio. Todos os bens — os que já pertenciam às partes antes do casamento e os que forem adquiridos depois — passam a integrar o patrimônio comum do casal. Assim, em caso de divórcio, tudo é dividido de forma igualitária.
Separação total de bens
A separação total é o oposto da comunhão universal. Cada cônjuge mantém a propriedade exclusiva de tudo o que possui, tanto dos bens anteriores quanto dos que vier a adquirir durante o casamento.
Nesse modelo, não existe partilha no divórcio — cada um leva o que é seu, salvo se houver prova de esforço conjunto na aquisição de determinado bem.
Em resumo, divórcio em cartório durante a gravidez não é permitido, mas isso não significa que o casal precise enfrentar um processo complicado. Quando há diálogo e consenso, o caminho judicial pode ser simples, rápido e respeitoso — com a ajuda de um advogado de família e a intervenção do Ministério Público para garantir que todos os direitos sejam preservados.
A gestante continua amparada pela lei, com direito a assistência financeira, segurança jurídica e proteção para o bebê que está por vir. Em meio a um momento delicado, o mais importante é buscar orientação adequada e agir com responsabilidade, para que o fim do casamento seja também o começo de uma nova fase de forma equilibrada e justa.
Advogada Especialista em Divórcio Consensual
Anna Luiza Ferreira é advogada especialista em divórcio consensual com inúmeros cursos de especialização e com vasta experiência em conduzir casos de divórcios consensuais com harmonia e agilidade.






