Entenda o mito da pensão alimentícia no Divórcio
Quando um relacionamento chega ao fim, é natural que surjam dúvidas sobre como ficará a vida dos filhos. Entre as questões mais sensíveis está a pensão alimentícia. Embora o tema seja comum, há muita desinformação circulando. Um dos equívocos mais repetidos é o chamado “mito do 50% para cada um”: a ideia de que pai e mãe devem arcar, de forma obrigatória, com metade das despesas dos filhos.
Essa crença parece simples e, à primeira vista, até justa. Afinal, se o filho é de ambos, por que não dividir igualmente? O problema é que o Direito de Família não funciona a partir de uma matemática rígida. Por isso, a legislação brasileira adota um critério diferente, mais realista e equilibrado, que leva em conta as necessidades da criança e a capacidade concreta de contribuição de cada genitor.
A seguir, você vai entender:
- por que o “50% para cada um” não é regra;
- como a pensão alimentícia é definida;,
- quais despesas entram no cálculo;
- quais são as formas mais seguras de pagamento;
- além de pontos que costumam gerar confusão, como guarda compartilhada e revisão do valor.
O mito do “50% para cada um”
A origem desse mito está no senso comum de que “igualdade” é sinônimo de “justiça”. No entanto, igualdade matemática pode ser injusta quando as condições são desiguais.
Imagine, por exemplo, um casal em que um genitor possui renda significativamente superior ao outro. Se ambos fossem obrigados a pagar exatamente metade das despesas, o filho correria o risco de ter suas necessidades atendidas abaixo do nível possível, enquanto o genitor de menor renda seria submetido a uma obrigação que comprometeria a própria subsistência.
O mesmo raciocínio vale quando um dos pais está temporariamente desempregado, quando tem renda variável, quando precisa sustentar outros filhos, ou quando as despesas do filho aumentam por motivos de saúde, educação ou mudança de fase da vida.
A vida familiar é dinâmica, e o Direito reconhece essa complexidade. Por isso, o sistema jurídico brasileiro não estabelece um percentual fixo e automático para cada genitor. Em vez disso, determina que ambos contribuam conforme as suas possibilidades.
Assim, o objetivo não é “dividir pela metade”, e sim garantir que o filho receba o que precisa, de maneira equilibrada e compatível com a realidade financeira de cada genitor.
O que a lei determina sobre pensão alimentícia
A legislação brasileira é direta: ambos os genitores têm o dever de sustento dos filhos. Esse dever permanece mesmo após o divórcio ou dissolução da união estável. O que muda com a separação não é a obrigação em si, mas a forma como ela se concretiza.
O Código Civil estabelece que a contribuição deve ser proporcional aos recursos de cada genitor. De acordo com o art. 1.694, § 1º:
“os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada”.
Em termos práticos, isso significa que a pensão alimentícia não nasce de uma divisão automática, mas de uma análise de contexto. A responsabilidade é compartilhada, porém o valor que cada um contribui varia conforme sua capacidade econômica.
Essa orientação legal existe para assegurar a proteção do interesse do menor. Em matéria de alimentos, o centro do processo é a criança ou adolescente, e não a disputa entre os pais. A pensão é um direito do filho, destinado à manutenção de sua vida digna e de seu desenvolvimento saudável.
Os critérios para fixação da pensão: necessidade, possibilidade e proporcionalidade
Na prática judicial, a base para definir pensão alimentícia é conhecida como trinômio: necessidades de quem recebe, possibilidades de quem paga e proporcionalidade. Esses três elementos se complementam e orientam tanto acordos quanto decisões judiciais.
O primeiro aspecto avaliado é a necessidade do filho. Essa necessidade não é abstrata, nem restrita ao mínimo vital. Ela envolve tudo o que é indispensável para que a criança mantenha um padrão de vida compatível com sua condição familiar. São considerados custos com alimentação, moradia, saúde, educação, vestuário, transporte, lazer e atividades formativas, como cursos e esportes. O juiz não analisa apenas o “quanto uma criança gasta no geral”, mas sim quanto custa aquela criança, dentro daquela família, com suas rotinas e particularidades.
O segundo aspecto é a possibilidade de quem paga. Aqui se observa a realidade financeira do genitor que irá contribuir com a pensão, levando em conta remuneração formal, renda informal, patrimônio, padrão de vida e despesas pessoais essenciais. A justiça não pode fixar uma pensão impossível de ser cumprida, porque isso levaria ao inadimplemento e à judicialização constante. Por outro lado, também não se aceita uma subdeclaração de renda que prejudique o filho.

O terceiro elemento, proporcionalidade, é justamente o que derruba o mito do 50%. Proporcionalidade significa equilibrar os dois pontos anteriores. Em outras palavras, o valor deve atender ao filho sem ultrapassar a capacidade real do genitor, e deve ser distribuído entre pai e mãe conforme as condições econômicas de cada um.
Por isso, é comum que um genitor contribua mais do que o outro quando possui renda maior. Isso não representa privilégio ou punição; é apenas a aplicação de um critério legal de justiça concreta.
Como o valor é calculado em termos práticos
Não existe uma tabela fixa para pensão alimentícia, nem um percentual obrigatório igual para todos. Em muitos estados, usa-se como referência o percentual sobre a renda do genitor pagante, mas a fixação final depende sempre da análise do caso concreto.
O caminho usual envolve, primeiro, a apuração das despesas reais do filho. Quando existe processo judicial, essas despesas podem ser demonstradas por meio de comprovantes, como boletos escolares, recibos médicos, notas fiscais, contratos de plano de saúde e demais gastos regulares. Quando não há documentação completa, o juiz pode trabalhar com estimativas baseadas na rotina familiar, desde que sejam razoáveis.
Em seguida, analisa-se a capacidade contributiva de cada genitor. Se ambos possuem renda formal, os holerites costumam ser suficientes. Se a renda não é formal, entram em cena outros elementos, como movimentação bancária, estilo de vida, bens em nome do genitor e até depoimentos e provas indiretas.
Com isso, o juiz distribui a responsabilidade de forma proporcional. Não se trata necessariamente de um cálculo matemático rígido, mas de um equilíbrio lógico. Se a renda de um dos pais representa uma parcela maior do orçamento familiar, tende a ser maior também sua contribuição para os alimentos.
A fixação alimentícia deve ter como base as necessidades de quem recebe, as possibilidades de quem paga e a proporcionalidade, ou seja, deve-se chegar a um valor razoável, justificável.
O que entra no cálculo da pensão alimentícia
Uma fonte frequente de conflito é o que, afinal, pode ser considerado “despesa do filho”. A resposta é ampla: entram todos os gastos que se relacionam à manutenção da criança e ao seu desenvolvimento.
Em termos gerais, incluem-se despesas com moradia (na proporção que corresponde ao filho), alimentação, educação formal, material escolar, transporte para escola ou atividades, plano de saúde, consultas e medicamentos, roupas, calçados, itens de higiene e cuidados pessoais, além de lazer adequado à idade. Em muitos casos, também se consideram cursos extras, atividades esportivas ou artísticas, acompanhamento psicológico ou pedagógico, e outras necessidades específicas.
Formas mais seguras de pagamento
Depois que o valor é definido, outro ponto essencial é a forma de pagamento. Um acordo bem elaborado não deixa espaço para dúvidas e protege ambos os lados.
A forma mais segura, quando possível, é o desconto em folha de pagamento. Nessa modalidade, o valor é retido diretamente do salário do genitor pagante e repassado ao beneficiário. A vantagem é a previsibilidade e a redução de conflitos sobre atrasos, além de gerar prova documental automática.
Outra forma comum é o depósito bancário ou transferência para conta indicada no acordo, com data certa. Aqui, a principal recomendação é que sempre exista registro do pagamento, para evitar discussões futuras. O comprovante protege o genitor pagante contra acusações de inadimplência, e garante ao responsável pelo filho segurança de recebimento.
Também é possível que o pagamento se dê de forma direta em despesas específicas, como mensalidade escolar, plano de saúde ou atividade extracurricular. Esse modelo precisa ser detalhado no acordo, com especificação do que será pago diretamente, do que será transferido em dinheiro e de como se fará o controle dos gastos.
Atraso ou não pagamento: consequências jurídicas
A pensão alimentícia tem uma natureza jurídica especial no Direito brasileiro porque está ligada diretamente à subsistência e ao desenvolvimento de crianças e adolescentes. Por isso, o ordenamento prevê mecanismos mais rigorosos para coibir a inadimplência. Quando o pagamento deixa de ser feito de forma voluntária e sem justificativa aceita pelo juiz, o credor pode iniciar a execução de alimentos, e a partir daí várias medidas podem ser adotadas para garantir o cumprimento da obrigação.
A consequência mais conhecida é a prisão civil do devedor. Pelo artigo 528 do Código de Processo Civil, ao ser executado, o genitor é intimado pessoalmente para pagar o débito alimentar em três dias, comprovar que pagou ou apresentar justificativa plausível para a impossibilidade de pagamento. Se não fizer nenhuma dessas coisas, o juiz pode decretar a prisão civil, que tem caráter coercitivo, não punitivo, e pode durar de um a três meses, em regime fechado.
Além da prisão, existem medidas clássicas de cobrança patrimonial. A Justiça pode determinar penhora de bens (imóveis, veículos, aplicações financeiras) e bloqueio de valores em conta bancária, justamente para quitar o débito alimentar.
Nos últimos anos, também se consolidou a possibilidade de adoção de medidas coercitivas atípicas, quando os meios tradicionais não funcionam e há sinais de resistência injustificada ao pagamento. Entre elas estão a suspensão da CNH, a apreensão/suspensão de passaporte e outras restrições documentais.
A pensão pode ser revisada?
Sim. Isso porque pensão não é um valor definitivo e imutável. O sistema jurídico permite revisão sempre que houver alteração relevante nas necessidades do filho ou na capacidade financeira dos pais. Isso pode ocorrer, por exemplo, quando a criança muda de escola, inicia um tratamento de saúde, cresce e passa a ter novos custos, ou quando um dos genitores aumenta ou reduz drasticamente sua renda.
Guarda compartilhada elimina a pensão?
Outro mito bastante comum é o de que guarda compartilhada significa ausência de pensão. Guarda compartilhada se refere à responsabilidade conjunta pelas decisões importantes da vida do filho: educação, saúde, rotina e desenvolvimento. Ela não implica, automaticamente, divisão igual de tempo de convivência nem de despesas.
Se um genitor tem renda maior ou se o filho reside a maior parte do tempo com o outro, a pensão pode ser fixada normalmente. O critério volta a ser o trinômio já explicado. Portanto, guarda compartilhada não elimina o dever de sustento proporcional.
Conclusão: pensão não é “metade”, é justiça proporcional
A pensão alimentícia no divórcio não segue uma regra de 50% para cada genitor. Esse é um mito que desconsidera a realidade econômica das famílias e contraria o que a lei determina. O dever de sustento existe para ambos os pais, mas sua execução deve respeitar proporcionalidade, atendendo ao que o filho precisa e ao que cada um pode efetivamente suportar.
Se houver diálogo, organização das despesas e orientação adequada, a pensão deixa de ser um campo de batalha e passa a ser o que ela deve ser desde o início: um instrumento de cuidado, responsabilidade e equilíbrio depois do divórcio.
Advogada Especialista em Pensão Alimentícia
Anna Luiza Ferreira é advogada especialista em direito familiar com inúmeros cursos de especialização e com vasta experiência em conduzir casos de divórcio e pensão alimentícia.
Se estiver com dúvidas sobre pensão alimentícia, precisar de uma opinião ou acompanhamento profissional, entre em contato, Anna Luiza Ferreira é Advogada Especialista em Pensão Alimentícia.







